Tádzio França
Repórter
A boemia está de regresso à Ribeira. Desde o ano passado, uma série de iniciativas particulares tem feito com que o velho bairro recupere, aos poucos, o status que possuiu em décadas passadas, como um lugar de referência para ouvir música, dançar, beber, relaxar, conhecer pessoas novas ou encontrar a turma. Mesmo num cenário em que o abandono ainda intimida, a ‘cidade baixa’ resiste através do amor que seus atuais empreendedores investem nos bares, palcos, balcões e pistas de dança que atravessaram o tempo.
A Ribeira tem um longo histórico festeiro. No século XIX, era lugar de serestas e saraus. No começo do século XX, ganhou um teatro elegante, cafés badalados, e cabarés que se tornaram famosos na 2ª Guerra. Entre o fim dos anos 90 e começo dos 2000 reviveu seu auge através de bares em que bandas de rock e DJs embalavam noites feéricas. Até que a pandemia fez a música parar e muitas portas fecharam. O bairro sentiu o baque, mas já estava na hora de ligar o som outra vez.
A boate Frisson aportou na Ribeira há seis meses. O sobrado na rua Chile abre de quinta a sábado, com disposição para fazer o povo dançar. São cinco sócios, todos com histórico de vivências no bairro. “Nossa produção cultural sempre dependia de diferentes espaços para acontecer, e isso era um fator limitante. Até que veio a chance de ter um espaço fixo, e era na Ribeira, bairro onde já criamos muita coisa e temos uma ligação afetiva”, diz Victor “Icha” Costa, DJ e um dos associados.
O núcleo da Frisson nasceu na cena eletrônica, mas ampliou seu repertório na Ribeira. “Nosso fundamento é house e techno, mas aqui a gente abriu para outras sonoridades também como reggae, pop, indie, jazz, e até samba. Cada dia desses tem sido uma aventura”, diz Icha. Diversidade é o lema da casa, e tem dado certo em público e música.
A casa tem apostado também em ir pra rua. A primeira vez foi no São João, e a segunda, no último dia 31 de agosto, reunindo quase mil pessoas em plena rua Chile. Victor celebra o “abraço” que a Frisson tem recebido do público. “A gente vê pessoas jovens que estão descobrindo a Ribeira através de nós. Estamos renovando o frequentador do bairro, e isso é muito bom de sentir”, diz. Uma satisfação que ainda esbarra nos desafios. “Fazer cultura em Natal é sempre uma luta. O desafio é criar ferramentas novas para encarar os problemas”, diz.
O Galpão 292 foi aberto oficialmente em abril. O lugar que já foi o Galpão 29 e o histórico Blackout/B-52, agora é uma casa que deseja atrair fãs de reggae, rock e axé. João Gomes, um dos novos proprietários, é um apaixonado antigo pela Ribeira. “Eu já toquei com minha banda por aqui há 20 anos. Passamos cinco anos esperando a oportunidade de pegar esse espaço desde que ele fechou”, conta, ressaltando que foi preciso uma restauração de sete meses para reabrir o local, que estava muito deteriorado.
O novo Galpão está cheio de planos. Vai lançar no dia 20 a Sexta do Reggae, abrindo às sextas e sábados quinzenalmente. No final de setembro (28) João vai retomar o seu projeto Afrobeat, que consiste em festas/ensaios de percussão ao estilo Olodum. A casa também está reformando seu segundo ambiente, um espaço mais intimista que terá café e restaurante. O lançamento está previsto para o começo de 2025. “Quero fazer eventos em conjunto com outros comerciantes do bairro”, diz, apostando na máxima “a união faz a força”.
A Ribeira dá samba? A resposta é sim para Brígida Paiva e Gláucia Wanderley, artistas e idealizadoras do espaço Rosas na Cartola, aberto há um ano e dois meses. A ideia das sócias é retomar a vida cultural da Ribeira, tendo o samba como um dos motivadores. Apesar das dificuldades, as rosas têm conseguido demarcar seu território.
Gláucia conta que no começo tentou emplacar o chorinho de quinta a domingo, mas não rolou. Após várias tentativas, erros e acertos, a casa se firmou aos sábados (17h30) e domingos (15h30), sempre investindo nas rodas de samba raiz com nomes ilustres da cena natalense. O local recebe 250 pessoas na área interna, com um público que vai de jovens adultos a idosos.
A cantora e percussionista conta que entrou na música graças à Ribeira, com suas rodas de samba e os eventos culturais gratuitos de de 10, 15 anos atrás. “A Ribeira me influenciou a ser artista. A falta de incentivo do poder público entristece, mas a gente tem aqui uma mina de ouro. A Ribeira é um diamante que ainda não estão sabendo lapidar”, diz.
O espaço Ribeira Music, inaugurado há um ano, voltou a colocar a Ribeira na rota dos shows grandes. O espaçoso galpão tem espaço para 1.200 pessoas, e já recebeu várias festas de samba e pagode, reggae, rock, e até raves. Os novos donos do pedaço, Hamon Miiamin e Ricardo Alexandre, são produtores experientes, com uma história antiga com o bairro.
“Acho que 70% dos eventos que já produzimos foram na Ribeira. A gente queria um espaço grande e acessível, e a Ribeira tem um espírito cultural que agrega. Então tinha que ser aqui. Investimos porque acreditamos no potencial do bairro para a cultura”, diz Hamon. O RM não tem agenda fixa, depende dos eventos fechados com a casa. O empresário acredita que, aos poucos, está caindo o tabu da Ribeira sem segurança e infraestrutura. “Mesmo assim, ainda precisamos muito do poder público. Não é incomum a gente bancar do próprio bolso consertos na rua Chile”, diz.
A casa que trouxe o samba e o chorinho para a Ribeira ainda existe e resiste. Ao longo de 14 anos, o Buraco da Catita sentiu todos os altos e baixos do bairro, mas procurou não perder o passo. Atualmente, o local só abre aos sábados. Sempre tem DJ e uma ou duas bandas por noite, entre nomes locais e atrações de Recife, João Pessoa ou Fortaleza.
“A Catita hoje é quase um after, muita gente chega às 1h30 ou 2h da manhã, procurando um lugar bacana com estrutura”, diz o proprietário Marcelo Lima. A casa tem espaço para até 500 pessoas. O perfil vigente é 30+. “É gente que vem para beber, paquerar, curtir o fim de noite, encontrar amigos, porque as pessoas se sentem bem aqui”, completa.
Para Marcelo, a única motivação de manter o Catita aberto hoje em dia é a paixão pelo lugar e pela Ribeira. “Eu sou apaixonado pelo que eu faço, mas é difícil. Esse bairro é um queridinho do natalense, mas ninguém investe. Acredito que só o básico já faria diferença: iluminação, limpeza e segurança. A Ribeira não é um ponto de passagem, ela precisa ser atrativa”, conclui.
Enquanto iniciativas particulares procuram retomar o brilho da Ribeira, na esfera pública as ações ainda estão no plano dos projetos. A secretaria municipal de cultura anunciou há algum tempo a criação de um Centro Cultural de Fazeres, que ficaria no sobrado onde funcionou a loja Paris em Natal, em 1920. A Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) propôs à prefeitura a construção de unidades habitacionais no bairro. A requalificação atualmente também está passando por uma série de obras nas ruas do bairro, visando atrair novas empresas e investimentos.