Brasília
A menina de 13 anos que engravidou após ser vítima de um estupro e foi impedida pelo Tribunal de Justiça de Goiás de fazer um aborto legal segue sob forte pressão de seu pai, de advogados e de católicos antiaborto. A intimidação ocorre mesmo após o STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinar que ela tenha acesso ao procedimento —que segue incerto.
A decisão, revelada pela coluna, foi proferida no início da noite de quarta-feira (24). Na quinta-feira (25), a menina foi atendida no Hospital Estadual da Mulher (Hemu), em Goiânia, sob protestos ruidosos de seu pai, de advogados e até mesmo de uma freira, que se opõem à interrupção e tentam dissuadi-la.
De acordo com relatos feitos à coluna, um padre entrou em contato com a mãe da adolescente pedindo que ela mudasse de opinião e deixasse de apoiar a filha na decisão de fazer o aborto legal.
A pressão continuou a ser exercida sobre a menina nesta sexta-feira (26). Apesar dos protestos, ela segue reiterando a sua vontade de pôr fim à gestação fruto do estupro praticado por um homem de 24 anos.
O procedimento, no entanto, ainda não foi realizado porque o hospital estadual não teria estrutura para interromper uma gestação avançada —de acordo com a decisão do STJ, a gravidez já alcançou a 27ª semana.
Inicialmente, avaliou-se a possibilidade de transferi-la para Uberlândia, em Minas Gerais, onde há um hospital de referência, mas a informação passada a pessoas que acompanham o caso é a de que não haveria profissionais disponíveis.
Outros hospitais são cogitados, mas não há muitas opções no Brasil. Poucas instituições de saúde atendem casos avançados, embora a lei não defina um prazo limite para que mulheres façam o aborto legal.
Até o ano passado, a ONG Projeto Vivas estimava que apenas quatro hospitais no país inteiro interrompiam gestações acima de 20 semanas, segundo reportagem publicada pelo portal Catarinas.
Um deles era o Hospital Municipal e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo, que teve seu serviço suspenso em dezembro de 2023 por decisão da gestão Ricardo Nunes (MDB) e não atende mais.
Pessoas que acompanham o caso da menina de 13 anos apontam uma atuação articulada entre movimentos antiaborto. Como mostrou o Intercept Brasil, o advogado Apoena Nascimento Veloso, um dos que representam o pai dela, integra a Comissão de Defesa da Vida da Associação dos Juristas Católicos de Goiás.
Outro indício seria a participação da médica Raquel Silveira da Cunha Araújo. A profissional, que assinou um parecer dizendo que o feto seria viável e alertou para um suposto risco caso aborto fosse feito, é a mesma que elaborou um parecer para um caso emblemático ocorrido em Santa Catarina, em 2023.
Assim como no caso goiano, a menina tinha 13 anos quando engravidou e enfrentou a oposição judicial do próprio pai, tendo o acesso ao direito previsto em lei só depois de recorrer ao STJ.
Na ocasião, o ministro Rogerio Schietti Cruz apontou que o pai “aliou-se a uma organização não governamental, supostamente em prol da vida e da família, para impedir o direito da vítima de realizar o aborto legal”. A entidade seria a Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família.
Procurada pela coluna, a médica que elaborou os pareceres contrários nos casos de Goiás e de Santa Catarina não respondeu até a publicação deste texto.
Como mostrou a Folha, a adolescente de 13 anos afirmou que gostaria de interromper a gestação quando estava na 18ª semana. Em mensagens encaminhadas ao Conselho Tutelar da região em que vive, ela disse que se não tivesse acesso ao procedimento, iria procurar uma forma de realizá-lo por conta própria.
A Promotoria pediu à Justiça que o aborto fosse realizado, mas a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, do Tribunal de Justiça de Goiás, aceitou o pedido do pai e proibiu a interrupção.
Na decisão agora derrotada pelo STJ, a magistrada determinou que a equipe médica deveria utilizar “de todos os meios médicos e técnicas que assegurem a sobrevida do nascituro”.
Segundo a desembargadora, o pai da jovem argumentou que o “delito de estupro está pendente de apuração”. A lei brasileira, porém, prevê que qualquer tipo de relação sexual com uma pessoa com menos de 14 anos é considerada estupro de vulnerável.
Ao conceder o habeas corpus autorizando o aborto legal, a presidente do STJ, Maria Thereza de Assis Moura, disse que a situação da menina de 13 anos “impõe a imediata intervenção desta corte para fazer cessar o constrangimento ilegal a que se encontra submetida a paciente”.
com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH