A Agência Saiba Mais fecha neste domingo (8) a série de reportagens “Primavera Secundarista: nossos sonhos são pra valer”, com histórias de cinco lideranças secundaristas que ocuparam os campi do IFRN em 2016 contra a PEC do Teto de Gastos, a Reforma do Ensino Médio e o projeto Escola sem Partido. Agora, é a vez de Viviane Cristine Pereira Nunes, a Viviane Forte — como é mais conhecida — que, à época das ocupações, em 2016, era a presidenta da Rede de Grêmios do IFRN
Viviane Forte: “Golpe ia respingar na gente”
Atualmente professora de História, Viviane Cristine Pereira Nunes, a Viviane Forte — como é mais conhecida — entrou no IFRN e iniciou sua trajetória no movimento estudantil em 2014.
Na época, o Grêmio Estudantil Djalma Maranhão estava desativado e um grupo se organizava para reativá-lo. Estudante de Edificações, havia tido uma presença ativa nos jogos internos da Diretoria Acadêmica de Construção Civil (Diacon) e era vista como uma certa liderança por outros colegas para participar tanto do Conselho de Líderes de Turma, como das reuniões para redefinir o estatuto do grêmio e, posteriormente, ajudar a refundar a entidade. Passado esse processo, disputou o GEDM e sua chapa ficou na gestão de 2015 até o ano seguinte. Em janeiro de 2016, foi eleita a primeira presidenta da Rede de Grêmios do IFRN em evento que aconteceu no campus São Gonçalo do Amarante. Durante todo o período das ocupações, esteve à frente da REGIF.
“A gente percebeu que tudo que se desenhou para o golpe ia de alguma forma respingar de maneira muito forte na gente enquanto classe e estudantes em geral. E isso fez da mobilização no Central uma mobilização muito bonita”, relembra.
Grande parte da condução das atividades prévias à ocupação foi feita pelas turmas de 4º ano — turmas que, na prática, dentro do IF, já sofreriam pouca ou nenhuma consequência porque estavam prestes a se formar.
“Mas, foram turmas que perceberam muito a importância e chamaram essa responsabilidade de mobilizar dentro do campus com as outras turmas, de conversar e dizer qual era a importância, de apoiar essas iniciativas de conscientização e, posteriormente, de apoiar também a ocupação”, conta Forte.
Para Viviane, o IFRN Natal-Central era e segue um campus muito conservador. Embora com um público diverso, é a principal unidade do IFRN no Estado e ainda abarca estudantes de classes sociais mais altas.
“Para os filhos dessa elite e os pais, era muito difícil conseguir convencer que uma ocupação — que é uma ação direta — seria a melhor alternativa para tentar barrar a PEC dos gastos e as outras questões que vinham nesse pacote do mal”, afirma.
Durante as ocupações, ela lembra que alguns professores também tiveram resistência à ação — mas o apoio fundamental veio do sindicato da categoria, o Sinasefe, que também reúne os servidores técnico-administrativos. O atual reitor do IFRN, José Arnóbio, na época era diretor-geral do campus, e também tinha uma boa relação com os estudantes.
“Sem o diálogo que a gente tinha com Arnóbio, poderia ter sido muito pior. A gente poderia ter sofrido ordem de retirada, ter se judicializado, chamado polícia e todas essas questões que, em algumas escolas, infelizmente aconteceram”, diz Viviane.
Aos 27 anos, a ex-presidenta da REGIF não atua mais no movimento estudantil. Formada em História pela UFRN, dá aulas em uma escola particular, segue interessada em história da Rússia e é professora olímpica, fornecendo acompanhamentos e mentorias para quem quer participar da Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB) — ela própria foi medalhista da ONHB por quatro vezes durante o seu ensino médio. Com os olhos de pesquisadora, diz que, para analisar o que foi a Primavera Secundarista, é preciso, primeiro, colocar os pés no chão, mas narra um impacto positivo inegável.
“Infelizmente, as outras classes que poderiam estar conosco, principalmente a dos professores e profissionais de educação no geral, como os técnico-administrativos, não aderiram tanto quanto seria necessário para que a gente gerasse um impacto maior e pudesse, de alguma forma, alcançar e reverter a situação, também em decorrência dos nossos parlamentares, da bancada do boi, da bala e da Bíblia, essa galera que tradicionalmente já embarreira essas discussões em âmbito nacional. Mas, foi um movimento que chamou muita atenção e chamar atenção para as pautas também é uma forma de avançar em relação a elas”, define.
Sobre o Escola sem Partido, ela atesta que hoje é um movimento “infinitamente menor do que era antes”.
“Isso se deve, em grande medida a essa luta e a esse combate que foi feito, somado, lógico, a outras iniciativas como a judicialização de alguns casos, as denúncias no âmbito do ciberespaço e a alguns historiadores que começaram a ocupar esse espaço e a dialogar sobre essa necessidade de levar ao grande público a importância da história, da memória, do debate, da discussão. E também ao apoio de alguns nomes que estavam lá no Congresso Nacional, tentando segurar as pontas, enquanto o mundo para a gente estava desabando, foi muito importante”, reconhece a docente.
Já com a PEC do Teto de Gastos — ou do Fim do Mundo — as dificuldades eram ainda maiores, porque envolvia uma política de austeridade fiscal que mexia em aspectos econômicos do país.
“Para conseguir conter os avanços da elite, ainda mais em um contexto de golpe dessa elite no ano de 2016, era muito mais difícil ter algum avanço”, lamenta. Em relação ao Novo Ensino Médio — e vivendo atualmente o dia a dia da sala de aula —, Forte diz que se conseguiu uma certa barganha, ainda que não seja o modelo ideal que contemple da forma que deveria a educação pública.
“Esse ensino médio não abarca as necessidades do povo pobre brasileiro. É um novo ensino médio pensado em um modelo de fora que foi importado para cá e que não se aplica, que não cabe, e que na prática só funciona bem em escolas particulares grandes, que têm dinheiro para oferecer estrutura, investimento, para mobilizar outras habilidades e competências desses estudantes que, infelizmente, também em decorrência da PEC dos gastos, a escola pública não consegue mobilizar da mesma forma”, aponta a historiadora.
Trazendo à memória o que foram seus alunos como liderança secundarista, Viviane ainda guarda o orgulho de ter visto tudo aquilo de perto acontecer — e de ter dado sua contribuição.
“Fizemos o nosso melhor. Infelizmente, era uma batalha contra gigantes e a gente não tinha tanto apoio quanto necessário para competir de igual para igual, mas foi uma luta muito honrada, muito bonita”, conta.
“Era muito legal ver estudantes de 15, 16, 17 anos colaborando, preparando sua própria comida, cuidando da limpeza da escola, organizando atividades políticas, convidando parlamentares, convidando pessoas externas para participar. Foi um movimento muito politizado, e ver uma juventude politizada hoje é muito difícil”, comenta.
Para ela, a educação que recebeu no IFRN a preparou para o mundo.
“É um mundo onde a gente enfrenta muita desigualdade, muita pressão, muita exploração enquanto mão de obra, então a consciência com que a gente sai depois de uma formação do Instituto Federal prepara de fato para enxergar e participar da sociedade de maneira diferenciada. É um sentimento de orgulho olhar para trás e perceber que houve de fato uma movimentação, que as pessoas fizeram o melhor que puderam, mas também de muita gratidão, porque ocupar o espaço do IF não é para todo mundo, infelizmente, e eu me sinto muito grata por, de alguma forma, ter conseguido ocupar e ter acesso às mais diversas formas de complemento à minha formação”, atesta.
“Os JIFs [Jogos dos Institutos Federais], olimpíadas científicas, jogos internos, congressos estudantis, tudo isso é muito importante para formar a mulher que eu sou hoje. E olhar para as pessoas que participaram desse movimento e ver que hoje são grandes profissionais, mas, acima de tudo, grandes seres humanos, pessoas muito honradas, me deixa muito contente. Acho que o nosso papel foi cumprido da melhor forma possível”, reconhece.
A ex-dirigente estudantil lembra que a mobilização pelo interior foi “absurda”. Visitando alguns campi, ela se recorda de iniciativas feitas pelos próprios alunos para ajudar a melhorar seus campi. Em Nova Cruz, por exemplo, até uma horta foi montada pelos estudantes.
“Eles tiveram diversas iniciativas para melhorar o campus, aquele ambiente em que já viviam cotidianamente, mas que, a partir das ocupações, passaram a residir ali dentro. A marca que se deixa nessas ocupações foi uma marca extremamente positiva no âmbito político, teórico, mas também no âmbito prático”, destaca.
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