ZENAIDE MAIA*
Do Sertão do Nordeste até o conceituado jornal norte-americano The New York Times. Do anonimato imposto por uma sociedade machista até o pioneirismo político no Brasil e no continente sul-americano. Esta é a trajetória de uma mulher inspiradora, uma brasileira que entrou para a nossa História como a primeira mulher a ser eleita prefeita no Brasil e em toda a América Latina. Estou falando de Alzira Soriano, que, em 1928, passou a comandar o município de Lajes, no Rio Grande do Norte, estado-berço da participação feminina nos partidos políticos e nos governos.
É por isso que, como mulher eleita pelo povo potiguar para representá-lo no Congresso Nacional, e também como procuradora especial da Mulher do Senado Federal, apresentei um projeto instituindo no Brasil a Comenda Alzira Soriano. Conferida no âmbito do Senado, a homenagem nacional em referência a essa grande mulher potiguar será destinada a agraciar mulheres que se destacaram na carreira política.
Afinal, projetar-se politicamente em pequena localidade do sertão do Nordeste, articular apoios para suas candidaturas e obter o respeito da sociedade em que vivia demonstra habilidade ímpar de Alzira Soriano, que serve e servirá de exemplo para tantas outras de nosso país. Alzira fez valer seus ideais em uma época em que o papel da mulher costumava se limitar, unicamente, aos cuidados da casa e dos filhos. Exemplos como o dela, de se impor em uma sociedade machista e, em determinados âmbitos, totalmente masculina, são fundamentais para que outras mulheres se sintam estimuladas a ocupar os lugares de poder da política.
Conforme o Projeto de Resolução do Senado (PRS 62/2023), a Comenda Alzira Soriano, acompanhada da concessão de diploma de menção honrosa, será concedida anualmente pela Mesa do Senado a até cinco agraciadas.
Dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que mais da metade da população brasileira (51,13%) é feminina, representando, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, 53% do eleitorado. No entanto, a presença das mulheres nos cargos políticos ainda é limitada. As mulheres ocupam apenas 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 13% no Senado. Nas assembleias estaduais, a situação é semelhante, com apenas 161 mulheres eleitas, o que também representa uma média de 15% do total de cargos.
Luiza Alzira Teixeira Soriano nasceu em 29 de abril de 1897, em Lajes, atualmente Jardim de Angicos, município do estado do Rio Grande do Norte. No Brasil da época, não se permitia o sufrágio feminino. O Rio Grande do Norte, contudo, foi pioneiro no tema ao aprovar a Lei Estadual nº 660, de 25 de outubro de 1927, que garantiu às mulheres potiguares o direito de votar e serem votadas. O texto estabelecia a vedação de qualquer distinção de gênero para o exercício da cidadania. A professora Celina Guimarães Viana, outra líder feminina pioneira também do Rio Grande do Norte, tornou-se a primeira eleitora do Brasil e, em abril de 1928, a primeira mulher a votar.
As habilidades políticas de Alzira Soriano começaram a se destacar durante uma reunião realizada na Fazenda Primavera, em meados de 1928, quando o governador Juvenal Lamartini e a líder feminista Bertha Lutz impressionaram-se com a jovem. Lutz estava no estado discutindo com Lamartini a possibilidade de apresentar uma candidatura feminina nas eleições municipais daquele ano.
Alzira concordou em concorrer à prefeitura de Lajes como candidata do Partido Republicano. Enfrentou ofensas misóginas e machistas em sua campanha. Apesar disso, em setembro, venceu as eleições com 60% dos votos válidos, tornando-se, aos 32 anos, a primeira prefeita mulher não só do Brasil, mas também da América Latina. No dia 8 de setembro daquele ano, Alzira foi destaque em reportagem do jornal The New York Times, que ressaltava a eleição de uma mulher em um país que sequer havia universalizado o direito ao voto feminino.
Como prefeita, desempenhou um papel crucial na construção de estradas, mercados públicos e na melhoria da iluminação pública da cidade. Durante seu mandato, supervisionou a construção de novas estradas, incluindo a que liga Cachoeira do Sapo a Jardim de Angicos, além de construir escolas e implementar a iluminação pública a vapor. As mulheres que vieram antes de nós são farol de luz e força para nossa luta pela equidade de gênero, pela democracia e por nenhum direito a menos.
*Senadora (PSD-RN) e procuradora especial da Mulher no Senado
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