A ampliação do desmatamento no Cerrado nos últimos anos em três estados do Nordeste evidenciou as fragilidades de governos estaduais de esquerda em estancar o problema. A região conhecida como Matopiba, distribuída entre o Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, foi responsável por 75% da destruição da vegetação entre 2022 e 2023, segundo levantamento do Prodes, a medição oficial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No período, a área desmatada em todo o bioma aumentou em 3%.
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O Piauí e a Bahia são governados pela esquerda, respetivamente, há 21 e 17 anos — atualmente, as administrações são tocadas pelos petistas Rafael Fonteles e Jerônimo Rodrigues. O Maranhão, que liderou as taxas de desmate, é administrado pelo governador Carlos Brandão (PSB), sucessor do seu ex-correligionário, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, que governou por oito anos o estado antes de ser ministro da Justiça no primeiro ano do governo Lula. A exceção é o governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa, que apoiou Jair Bolsonaro em 2022.veja as regiões mais atingidas
Para enfrentar o problema, ponto negativo da política ambiental no ano passado, o Ministério do Meio Ambiente prepara um Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado), atualmente em fase de consulta. Um dos eixos de atuação será a articulação com os governos estaduais e a integração de dados dos entes federativos sobre autorizações de supressão vegetal.
O desmatamento no Cerrado acontece majoritariamente em propriedades privadas — o Prodes apontou que, dos 11 mil km² desmatados na última medição, 63,4% aconteceram nestas áreas — e há muitos casos autorizados pelas secretarias ambientais estaduais. A dinâmica é diferente da Amazônia, onde o problema se concentra em terras públicas invadidas por grupos criminosos e o combate depende de operações especiais.
Pelas regras do Código Florestal, uma propriedade no Cerrado, bioma que é berço de oito das 12 principais bacias hidrográficas do país, só precisa ter de 20% a 35% de sua área destinada à reserva legal, por isso as autorizações são facilitadas. Na Amazônia, a exigência chega a 80%.
Mas as informações sobre o cumprimento dos limites sofrem com a demora no processo de validação dos Cadastros Ambientais Rurais (CARs), responsabilidade do governo estadual após o cadastramento do proprietário. Segundo a Climate Policy Initiative/PUC-Rio, apenas 2% dos CARs foram validados.
Sem controle das informações, a fiscalização é dificultada, explica Beto Mesquita, diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
— Os três maiores problemas nessas autorizações estaduais são as concedidas sem análise do CAR, a falta de monitoramento do cumprimento das condicionantes, como replantios, e as permissões para áreas muito grandes e com muitos anos de prazo para execução — afirma Mesquita, que lembra que poucos estados enviam seus dados ao sistema federal, o Sicar. — O desmatamento acontece mais onde os governos são aliados do governo federal. Não deveria ter dificuldade para fazer essa articulação.
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Dos 2.833 km² de Cerrado desmatados em 2023 no Maranhão, estado com maior extensão de desmates no último Prodes, metade (1.426,95 km²) foi aprovada pela Secretaria de Meio Ambiente, informou a pasta ao GLOBO. Em 2022, o MapBiomas comprovou que ao menos 14% do desmatamento no Cerrado havia sido autorizado, estatística subestimada pela falta de transparência dos dados.
Naquele ano, a maior supressão aconteceu em Formosa do Rio Preto (BA), onde houve um corte autorizado de 12 mil hectares, mesmo dentro de uma Área de Proteção Ambiental. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, pelo menos metade do desmatamento no Cerrado é ilegal.
Na quinta-feira, no Rio, a ministra Marina Silva afirmou que um pacto será feito com os governos estaduais, através do PPCerrado. A ministra reconheceu que parte do desmatamento acontece com base nas permissões do Código Florestal.
— O homem legisla, mas a natureza não se assimila, e aí já temos problema. está diminuindo o período chuvoso e a vazão dos grandes rios. Não reduzir o desmatamento do Cerrado significa um prejuízo incomparavelmente maior.
Os números de fevereiro apontam a persistência do problema. Em comparação com o mesmo mês em 2023, houve 19% a mais de destruição no Cerrado, segundo o sistema de alertas Deter, do Inpe. No Maranhão, foram registrados alertas em 212 km², aumento de 316% em relação a fevereiro do ano passado. No acumulado de agosto de 2023 a fevereiro, a destruição foi duas vezes maior do que nos mesmos meses do ano anterior.
Como o Matopiba é onde ainda há mais porções de Cerrado remanescentes, a vulnerabilidade é maior. Em janeiro, o município com mais desmatamento foi Cotegipe, no Oeste da Bahia, segundo dados do SAD Cerrado, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). De todos os 31 alertas para a cidade no mês, 99% foram em áreas privadas.
Coordenadora do Mapbiomas Cerrado, Ane Alencar explica que a geografia do Matopiba e a disposição de infraestrutura moderna impulsionam o agronegócio:
— Um pouco menos da metade do Cerrado ainda se encontra em pé, concentrado nos estados do Matopiba. Essa região tem muitas áreas planas e se converteu em uma fronteira de expansão da produção de grãos.
Beto Mesquisa destaca que já existe tecnologia disponível para fiscalizações remotas, como embargos.
— Se resolvo a transparência da informação, é muito mais fácil realizar monitoramento remoto — explica Mesquita.
A Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão respondeu que, “em colaboração estreita com o governo federal”, tem buscado soluções, como intensificar a fiscalização. A Secretaria do Meio Ambiente da Bahia afirmou ter elaborado o programa Pacto pelo Cerrado, com ações para redução contínua do desmatamento e estímulos para transição a um modelo mais sustentável. A pasta acrescentou a previsão de mudanças na legislação ambiental da Bahia para dar maior proteção ao bioma. Os governos do Piauí e do Tocantins não se pronunciaram.