O Ministério da Educação (MEC) apresentou na quarta-feira (14) os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (ldeb) 2023, o principal indicador de qualidade da educação no Brasil. Entre os destaques, estão as 100 escolas públicas com melhor desempenho nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), todas localizadas no Nordeste.
Segundo os números compartilhados pelo ministro da Educação, Camilo Santana, o país alcançou seis pontos nos anos iniciais do ensino fundamental, atingindo a meta nacional estabelecida para o primeiro ciclo do indicador (2007-2021).
Nos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano), o Brasil alcançou cinco pontos e o ensino médio registrou 4,3 pontos, ficando abaixo das metas do indicador para o país nessas etapas, que era de 5,5 e 5,2, respectivamente.
O Ceará, estado reconhecido pelo alto índice na educação, concentrou o maior número de unidades que lideram o ldeb, com 67 escolas citadas. Outras 32 são de Alagoas e uma de Pernambuco.
Para o doutor em Educação Escolar Renan Antônio da Silva, o desempenho acima da média na região Nordeste se dá especialmente pelo comprometimento dos professores, fator determinante para o país avançar na educação básica.
“Ao lado de gestões educacionais mais comprometidas e qualitativas, a participação docente é certamente fator muito decisivo. Em geral, sucessos como o cearense se debitam acentuadamente aos professores, que, reconhecendo o direito dos estudantes de aprender, resolvem dedicar-se à causa. Sua participação é decisiva porque a gestão muda periodicamente, mas são eles que carregam o piano continuadamente”, aponta, em entrevista à Alma Preta.
A média das unidades com maior desempenho também se destaca por ser superior a dos colégios particulares do país, que marcaram 7,2 no exame. Em contrapartida, 21 escolas municipais atingiram a nota máxima do indicador, que varia de 0 a 10.
A cidade de Sobral (CE) reúne cinco das unidades com média 10 no Ideb. Mucambo, Pires Ferreira e Cruz, também no Ceará, têm duas unidades com nota máxima, enquanto Coruripe (AL) tem duas escolas com média 10.
Ensino Médio falha em cumprir papel de realizar os sonhos dos jovens
Apesar do progresso no setor público, Renan ressalta que é preciso reconhecer que o avanço aconteceu especialmente nos anos iniciais do ensino fundamental por conta da educação municipal. “Nos anos finais a queda é, quase sempre, catastrófica e tanto mais no Ensino Médio”, sublinha o doutor em Educação Escolar.
O pesquisador destaca que 23,8 milhões de jovens não estudam nem concluíram o ensino superior, com isso fica evidente o caráter excludente do sistema educacional. Ele ainda sugere que o sistema de ensino atual é extremamente “ineficaz, desestimulante e insuportável”, falhando em cumprir seu papel de realizar os sonhos dos jovens.
“Ao lado de exacerbar discriminações, em especial racistas, o sistema não é capaz de manter o fervor juvenil em torno do estudo, indicando ser a escola um lugar marcado pela chatice sem fim, reprodutiva, cansativa, inútil”, reitera.
O pesquisador também destaca a contribuição da pandemia de coronavírus para esse declínio estudantil. No cenário internacional, o Brasil está entre os países que tiveram o maior período de suspensão das aulas presenciais, conforme os dados de monitoramento global da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
“Não se trata da média de dias sem aula presencial, mas do total de dias em que todas as escolas da educação básica do país permaneceram fechadas, sem atividades presenciais, por orientação oficial, entre março de 2020 e maio de 2021. De 210 países com dados coletados, somente 15 informaram um número total de dias de fechamento das escolas maior que o Brasil”, explica.
Países como Cuba e Argentina, por exemplo, registraram, respectivamente, 75 e 110 dias sem atividades presenciais durante o período. No México, foram 265 dias de fechamento e no Brasil houve um total de 190 dias. Enquanto isso, no Japão, apenas 15 dias; 30 na Suíça; 35 na França; e 40 na Finlândia.
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) obtidos a partir do questionário do Censo Escolar 2020 e apresentados à reportagem pelo pesquisador mostram que as escolas ficaram em média 279,4 dias sem aulas presenciais em todos os níveis da educação básica durante o ano letivo de 2020, 287,5 dias na rede pública e 247,7 dias na rede privada. A maior média de suspensão ocorreu no nordeste (299,2 dias), com realce para a rede pública (307,1 dias).
“A mensagem mais profunda e gritante que os dados sugerem não é apenas que o desempenho é muito baixo, é que o sistema de ensino caducou. […] Para mudar a realidade, é imprescindível ter um diagnóstico dela, a escola evita o diagnóstico, em grande parte por má consciência: sabe que está fraudando os alunos, mas não quer meter-se no vespeiro”, explica o doutor em Educação Escolar.
“Hoje, a escola produz aula, não aprendizagem. Não tem qualquer compromisso com os alunos, apenas com a burocracia que cobra – bem sintomaticamente – aula. Aprendizagem depende das atividades da aprendizagem dos estudantes, que não são contempladas: falta ler, estudar, pesquisar, elaborar, argumentar… Aula copiada para ser copiada não tem qualquer importância”, argumenta.
Críticas ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
Durante a coletiva de imprensa desta quarta-feira (14), o ministro da Educação, Camilo Santana, destacou que o Ideb funciona “como um norte para as tomadas de decisões na educação básica, determinando o que deve ser melhorado no ensino e garantindo que a construção dos programas e das iniciativas seja feita de forma a assegurar o atendimento das necessidades da população”, explicou.
O programa, contudo, possui alguns déficits apontados por especialistas, como Renan da Silva. “Podemos botar muito defeito no ldeb, a começar pela enorme dificuldade de traduzir aprendizagem, sobretudo a autoral, em cifras quantitativas. Quantificações são mensurações apenas indiretas e desajeitadas, que cumprem papel muito auxiliar ou supletivo”, aponta.
“No entanto, pior é não ter avaliação nenhuma”, destaca o pesquisador. “Por isso, enquanto é fundamental questionar os dados, sobretudo para sempre puxá-los para seu sentido maior pedagógico (para cuidar), não é adequado negar os dados, ignorar, descartar. O Ideb pode ser útil, desde que saibamos manter a devida crítica autocrítica”.
Para ele, há um abismo no setor educacional potencializado por “políticas públicas belíssimas no papel, mas que não funcionam”. “Não podemos culpar apenas o Governo Federal, mesmo tendo muitos erros, porém, precisamos avançar na ideia da mudança local”, ressalta.
“O desempenho do Ceará [no Ideb] é a graça do Nordeste. O que mais importa é a mensagem que está sugerindo: é possível avançar muito na educação básica, à revelia da pobreza local, que, mesmo sendo muito ostensiva, não impede de aprender. A luz, por vezes, surge onde menos se espera: na região mais pobre do país, num estado pobre, Ceará”, conclui o doutor em Educação.