No sertão de Pernambuco e do Ceará, duas fábricas de beneficiamento de castanha de caju da Amigos do Bem estão a todo vapor, trabalhando em dois turnos. Com 130 mil pés de caju e uma produção de 40 mil toneladas de amêndoas ao mês, as fábricas abastecem as marcas próprias de Pão de Açúcar e Carrefour, além de outras marcas como a Mãe Terra, da Unilever, alcançando 1,5 mil pontos de venda em todo o país.
Fundada há 31 anos, a ONG paulista comanda hoje um dos maiores negócios sociais e de impacto do país. Segundo estudo realizado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), o SROI, ou Retorno sobre Investimento Social, da Amigos do Bem é de R$ 6,45 para cada R$ 1 investido no programa — um dos mais altos do Brasil. (O IDIS não revela o ranking dos SROI, dada a natureza distinta e pouco comparável de cada projeto.)
Os negócios sociais da Amigos do Bem somam ainda uma fábrica de pimentas e doces, oficinas com 300 máquinas de costura — algumas ociosas, aguardando novos contratos —, licenciamento de marca e um e-commerce próprio. Um programa de microcrédito financia ainda novos negócios no Ceará.
Somados, os negócios sociais geram uma receita de R$ 30 milhões, garantindo renda para 1,5 mil pessoas em uma região onde as oportunidades de trabalho são escassas, e mantendo 2,5 mil crianças na escola em período integral.
O rendimento dos negócios sociais, contudo, representam apenas 30% do orçamento da ONG, que conta com doações, parcerias e 10,7 mil voluntários para seguir distribuindo mensalmente 30 mil cestas básicas, roupas e produtos de higiene pessoal, beneficiando 150 mil pessoas em 300 povoados no interior de Pernambuco, Ceará e Alagoas.
Tudo na Amigos do Bem se dá em grandes proporções. — Temos 10 mil crianças e jovens nos nossos Centros de Transformação. Quando vamos doar sapatos, são dez mil pares — diz a empresária Alcione Albanesi, que fundou a Amigos do Bem há 31 anos.
Investir em fábrica e plantação de caju e oficinas de costura estava longe dos planos de Alcione quando, nos idos de 1993, ela mobilizou amigos para levar cestas básicas para o sertão nordestino — onde ainda hoje 30 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza extrema.
Foram dez anos levando não apenas alimentos mas também brinquedos e atendimento médico e odontológico com voluntários, até que Alcione e sua equipe resolveram partir para uma atuação mais estruturante: furando poços para garantir água o ano todo, e investindo em moradia digna.
Mas foi na última década que a Amigos do Bem encontrou a sua vocação na educação e nos negócios sociais, mas sem abandonar as ações emergenciais voltadas para as necessidades básicas.
— Quem tem fome não é livre, quem não sabe ler e escrever também não é livre. Tem que ter o que comer para estudar. Tem que ter educação para trabalhar — diz Alcione, que há 10 anos vendeu a fábrica de lâmpadas FLC, fundada por ela e que chegou a ter 40% de participação de mercado, para se dedicar à filantropia. Além das atividades de arrecadação em São Paulo, Alcione passa cerca de 10 dias por mês no sertão.
A veia empreendedora que hoje Alcione leva para a filantropia surgiu cedo. Quando criança, ela fazia rifa para vender os brinquedos que ganhava. A mãe até tentou colocá-la em cursos de etiqueta e boas maneiras. Do alto de seus 1,75 m, chegou a ensaiar os primeiros passos como modelo, mas se interessou mesmo em produzir moda. Montou uma confecção aos 17 anos e chegou a ter 80 funcionários, vendendo para as redes Marisa e C&A. Aos 25 anos, vendeu o negócio para abrir uma loja de material elétrico no centro de São Paulo. Pouco depois, fundou a fábrica de lâmpadas.
Depois de vender a FLC, Alcione investiu em terras no sertão: fundou quatro pequenas Vilas do Bem, nos municípios de Catimbau e Inajá, em Pernambuco, e em Torrões (AL) e Mauriti (CE). Hoje elas abrigam 550 casas, 123 cisternas e 63 poços ativos e contam com redes de fibra óptica — tudo mobilizado por meio de doações.
As duas vilas com as fábricas de castanha já se sustentam economicamente, explica Andre de Luca, diretor executivo da Amigos do Bem. A meta é desenvolver novas atividades econômicas nas demais, para garantir renda e assegurar a sustentabilidade das ações de apoio às escolas municipais — com programas de capacitação, professores extras e refeições — e do Centro de Transformação, onde crianças e jovens contam com atividades como aulas de música, teatro, capoeira, inglês e computação.
Diariamente, 50 ônibus — doados por empresas parceiras — percorrem dezenas de quilômetros para buscar as crianças nos povoados mais afastados. O resultado de toda essa iniciativa apareceu no último Censo Escolar: a escola de Inajá tirou nota 9,2 no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) — a segunda melhor de Pernambuco — e a de Catimbau, nota 8,3. A média do país é 6. As escolas apadrinhadas há menos tempo tiraram 7,5 (Ceará) e 6,5 (Alagoas). — Para este ano, vamos centrar esforços na capacitação de professores dessas escolas — diz Alcione.
Para seguir gerando renda no sertão, Alcione está empenhada em uma nova frente: fechar contratos para a confecção de uniformes para empresas e colocar todas as máquinas de costura para trabalhar.
*A colunista viajou a convite da Amigos do Bem, com diárias de hotel e passagem aérea doados pelas empresas.