Rio de Janeiro
O presidente Lula afirmou nesta quinta-feira (20) que terá cuidado ao decidir em que palanques subir nas eleições municipais. O objetivo, disse ele, é evitar melindrar partidos aliados, gerando um “revés no Congresso”.
“Embora eu pertença a um partido político, eu tenho uma base de apoio no Congresso que extrapola meu partido. Então eu tenho que levar em conta, nas cidades [em que] esses partidos que me apoiam estão disputando, quem são os adversários”, afirmou ele, em entrevista à rádio Verdinha, de Fortaleza (CE).
“Naquele em que os adversários forem ideológicos, dos negacionistas, você pode ter certeza que eu vou fazer campanha. […] Vou fazer campanha para os candidatos que eu acho que vão melhorar a vida do povo. Mas com muito cuidado, porque também não posso ser pego de surpresa e ter um revés no Congresso Nacional de descontentamento.”
A fala revela a preocupação do presidente com a base frágil no Congresso, que vem acumulando derrotas nas últimas semanas.
Em São Paulo, o presidente decidiu se empenhar na pré-candidatura do deputado Guilherme Boulos (PSOL). O principal adversário é o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tem o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
No Rio de Janeiro, ele deve apoiar a reeleição do prefeito Eduardo Paes (PSD), que tem como principal adversário o deputado Alexandre Ramagem (PL), ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) na gestão Bolsonaro. O deputado Tarcísio Motta (PSOL), da base do governo, também é pré-candidato.
Lula voltou a dizer que pode concorrer à reeleição para evitar a vitória de “negacionistas”.
“Não posso discutir minha candidatura agora. Se chegar na hora de decidir, eu perceber que os negacionistas que destruíram esse país, que passaram a ideia de que o que vai melhorar esse país é vender arma para o povo, é fazer escola cívico-militar, mentira na internet, mentira sobre religião, eu vou fazer um esforço incomensurável para não deixar um negacionista voltar a presidir o nosso país”, disse ele.
No final de maio, o Congresso Nacional aplicou nesta terça-feira (28) um pacote de derrotas ao presidente, em votações que tiveram ampla dissidência entre partidos aliados.
No ponto mais polêmico, que contou com empenho do governo em negociações nas últimas semanas, os parlamentares derrubaram o veto de Lula a trecho da lei que acaba com as saídas temporárias de presos.
Os congressistas mantiveram ainda veto de Bolsonaro, barrando a tipificação do crime de “comunicação enganosa em massa”, que constava em texto aprovado em 2021 que substituiu e revogou a Lei de Segurança Nacional.
Após as derrotas, o deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, disse a correligionários em reunião interna do PT que falta à gestão Lula 3 “comando político mais estrategicamente centralizado” na relação com sociedade, Congresso, estados e municípios.
Como mostrou a Folha, o deputado também afirmou que fazer a articulação política do governo na Câmara lhe tira o sono.
“Tenho que me relacionar com toda a Casa, não é uma tarefa fácil, é um negócio muito doloroso. Tem dia que eu não consigo dormir por conta da tensão, da faca no pescoço e tudo mais que muitas vezes acontece nos bastidores aqui dentro [do Congresso] para a gente apoiar, aprovar as matérias de interesse do governo.”
Além da fragilidade da esquerda e falhas da articulação, a evolução histórica da relação do governo com o Congresso Nacional ajuda a explicar os percalços da gestão petista nesse campo.
Os últimos dez anos marcaram uma inflexão nessa relação, invertendo em parte uma relação de forças que, nos anos 1980, 1990 e 2000 pendia muito mais para o Executivo, salvo alguns períodos.
Até 2014, último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), vigorava um modelo que se moldava em grande parte pela prevalência quase total no Congresso da agenda do governo, que montava sua base de apoio muito em razão da distribuição de ministérios e cargos aos partidos e da liberação das chamadas emendas parlamentares.
Principalmente nos anos do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010), os governos conseguiam montar coalizões menos instáveis, salvo períodos de turbulência, e debelavam traições na base do corte de cargos e emendas.
De 2014 em diante ocorreu uma mudança crucial.
Trata-se da engorda das emendas, que subiram de cerca de R$ 10 bilhões naquele ano (em valores atualizados) para cerca de R$ 50 bilhões agora, com um detalhe não menos importante: aprovações de projetos para tornar sua execução impositiva —reduzindo bastante o poder de barganha do Palácio do Planalto.
O processo de empoderamento dos congressistas por meio das emendas ocorreu concomitantemente à chegada do centrão ao comando da Câmara dos Deputados, em 2015, com Eduardo Cunha (RJ), então no MDB.
Desde então, os presidentes da Câmara mantiveram postura mais independente, de fomento de agendas próprias, afastando a figura de um comandante da Casa submisso às ordens do Planalto.