No RN, o cenário da adoção revela um descompasso entre o número de pretendentes e as crianças disponíveis. Embora haja 526 famílias habilitadas, um número mais de 10 vezes maior do que os 50 menores à espera de um lar, a idade se apresenta como a principal barreira. A maioria dessas crianças e adolescentes tem mais de 12 anos, enquanto a preferência dos pretendentes se concentra em recém-nascidos e crianças pequenas, o que torna o processo de adoção mais complexo e desafiador. Os números são do Sistema Nacional de Adoção (SNA).
Das 50 crianças e adolescentes atualmente disponíveis para adoção no Rio Grande do Norte, 11 têm mais de 16 anos; sete estão na faixa de 14 a 16 anos; nove têm entre 12 e 14 anos. Em contrapartida, o perfil das famílias pretendentes revela que 334, ou cerca de 63%, buscam por crianças com até 4 anos de idade. Quem acompanha esse quadro de perto é o projeto Acalanto Natal, que dá suporte assistencial, jurídico e psicológico para todos os atores envolvidos no processo de adoção legal.
A assistente administrativa do Projeto Acalanto, Bianca Araújo, destaca a dificuldade da idade como um dos principais obstáculos para a adoção. “A maioria das famílias prefere crianças recém-nascidas ou com até três anos de idade, mas as crianças que estão nas unidades de acolhimento, em sua grande maioria, têm mais de oito anos. Por isso, essa conta não fecha: as crianças que estão disponíveis para adoção não se encaixam no perfil daquelas famílias que estão buscando adotar”, explica Bianca.
Em Natal, as crianças e adolescentes estão distribuídas em três unidades de acolhimento – antigamente chamadas de orfanatos. As unidades abrigam por faixa etária, uma delas recebe as crianças de 0 a 6 anos, outra de 6 a 12, e a última de 12 a 18 anos. Bianca também destaca que as crianças mais velhas, muitas vezes, possuem um histórico complexo, o que torna o processo de adoção ainda mais delicado. Algumas crianças ou adolescentes passam anos em unidades de acolhimento, o que naturalmente tem influência no comportamento e na visão de mundo.
“É por isso que, além de orientarmos as famílias no processo de adoção, o Projeto Acalanto oferece acompanhamento psicológico e social para essas crianças e adolescentes para tentar entender um pouquinho o que eles pensam, tentar amenizar os danos que eles já possuem porque eles já passam pela rejeição inicial, que é a biológica, e está na instituição de acolhimento, que dá todo suporte, mas não é um lar”, enfatiza a profissional.
O Projeto Acalanto atua há mais de 27 anos no apoio a essas crianças e adolescentes, oferecendo suporte às famílias em todas as fases do processo de adoção — antes, durante e após a adoção ser efetivada. Além de fornecer orientação jurídica, psicológica e social, o projeto também se organiza para atender as necessidades materiais das unidades de acolhimento. “Quando eles têm alguma necessidade, precisam de doações de roupas ou algum objeto específico, a gente se organiza com os nossos voluntários e com a sociedade civil em geral para tentar dar esse suporte”, detalha Bianca.
A dificuldade de encontrar lares para crianças mais velhas e com necessidades especiais é um desafio que não é exclusivo do RN, mas tem sido mitigado pelo uso da Busca Ativa, ferramenta implementada pelo CNJ. Esse recurso permite que crianças e adolescentes com menor chance de adoção, como grupos de irmãos, adolescentes e crianças com deficiência, possam ser adotados por famílias de outros estados.
No RN, essa iniciativa tem feito a diferença, conforme o juiz José Dantas de Paiva, coordenador da Coordenadoria da Infância e Juventude do Poder Judiciário (CEIJ), aponta. “A busca ativa tem sido fundamental para conectar essas crianças e adolescentes a famílias habilitadas em outros estados, diminuindo o tempo que eles passam nas instituições de acolhimento e aumentando suas chances de encontrar um lar definitivo”.
Perfil
Os dados mais recentes da Coordenadoria da Infância e Juventude (CEIJ) do Tribunal de Justiça do RN revelam que, entre as 50 crianças e adolescentes disponíveis para adoção no Estado, a maioria está concentrada nas faixas etárias acima de 8 anos.
Apenas quatro crianças têm até 2 anos de idade, enquanto duas estão na faixa de 2 a 4 anos, e outras duas têm entre 4 e 6 anos. O número de crianças aumenta gradativamente com a idade: três delas têm entre 6 e 8 anos, cinco estão na faixa de 8 a 10 anos, e seis têm entre 10 e 12 anos. O grupo de adolescentes, a partir de 12 anos, é o mais numeroso, com nove na faixa de 12 a 14 anos, sete entre 14 e 16 anos e 11 adolescentes com mais de 16 anos de idade.
Além da distribuição etária, o perfil étnico também reflete um padrão: 36 (72%) são pardas, oito (16%) são brancas e seis (12%) são pretas. Quanto ao gênero, há uma predominância feminina, com 31 meninas (62%) e 19 meninos (38%). Outro aspecto importante no perfil dessas crianças e adolescentes é a presença ou ausência de deficiência: 37 (74%) não possuem deficiência, enquanto dez (20%) têm deficiência intelectual, duas (4%) apresentam deficiência física e intelectual, e uma (2%) tem apenas deficiência física.