Mossoró, município de 265 mil habitantes no interior do Rio Grande do Norte, teve prefeitas por cinco vezes desde 2000, a maior marca brasileira entre cidades com população acima de 100 mil.
O Rio Grande do Norte, ao lado de Roraima, foi o estado com maior proporção de municípios que já elegeram chefes de Executivo mulheres, ambos com 60% de cidades com prefeitas. Na sequência aparece Alagoas, com 54%.
Por região, Nordeste e Norte têm 47%, enquanto o Sul, tem 25%, a menor proporção, mostra análise da Folha com base em dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A reportagem considerou candidatas eleitas tanto em pleitos ordinários quanto suplementares –realizados em caso de indeferimento de registro, cassação do diploma ou perda do mandato do candidato eleito.
O legado feminino na política potiguar –que teve a primeira prefeita do país, Alzira Soriano, em 1928– e de Mossoró –onde a primeira brasileira foi autorizada a votar, Celina Guimarães Viana, em 1927– ajuda a explicar por que há mais representatividade ali.
A ex-senadora e ex-governadora Rosalba Ciarlini (PP), por exemplo, foi eleita prefeita de Mossoró por quatro vezes: em 1988, sendo a primeira mulher a ocupar o cargo, depois em 1996, 2000 e 2016.
Na primeira campanha, era conhecida pelo trabalho como médica e teve apoio do marido, então deputado estadual, mas sofreu preconceito por ser mulher.
Ao mesmo tempo, por haver uma presença feminina maior, ela diz não ter sentido a dificuldade de ser preterida dentro dos partidos. Ciarlini reconhece uma melhora na representativa ao longo do tempo nas legendas com a regra das cotas para cargos do Legislativo e a chegada de mais mulheres.
Nos últimos 20 anos, 2.369 prefeitas foram eleitas em 2.011 municípios do país, 33% delas mais de uma vez, totalizando 3.260 mandatos.
Embora o total esteja distante dos 20.324 prefeitos, 41% deles eleito mais de uma vez, o número de prefeitas cresceu ao longo do tempo, passando de 318, em 2000, para 676, em 2020, o maior no período.
Depois de Mossoró, a capital de Roraima, Boa Vista, e o município de Lauro de Freitas, na Bahia, se destacam com quatro mandatos de prefeitas exercidos por uma única mulher: respectivamente, Teresa Surita (MDB) e Moema Gramacho (PT), atualmente deputada federal.
As únicas cidades que só tiveram prefeitas foram Flexeiras (AL), com 9.618 habitantes, e Tenente Ananias (RN) com 10.292 habitantes.
Entre as capitais, Fortaleza (CE), Palmas (TO) e Natal (RN) –que elegeu Wilma Farias em 1988– escolheram prefeitas por duas vezes no período.
Em 2020, Cinthia Ribeiro (PSDB), de Palmas, foi a única eleita nas capitais. Ela começou a participar da política quando era casada com o ex-senador João Ribeiro, que morreu em 2013. Em 2014, concorreu como vice ao governo do estado e, em 2016, foi eleita vice na chapa de Carlos Amastha (PSB), que deixou o cargo em 2018 para participar da disputa a governador.
Na ocasião, Ribeiro diz ter sido questionada várias vezes sobre estar preparada para assumir o posto.
“Quando a gente faz esse comparativo com outros homens que nunca estiveram antes em funções de Estado, das mulheres exige-se muito mais”, diz ela, que preside o PSDB Mulher e indicou a técnica em enfermagem Ivanete Lima como vice na chapa de seu candidato a sucessor.
Pesquisa realizada pelo Instituto Alziras com prefeitas eleitas em 2020 mostra que 70% delas já tinham sido eleitas antes, seja como prefeitas, vice ou vereadoras, mesmo percentual daquelas que exerceram algum cargo de confiança, a maior parte como secretárias de áreas como educação e saúde.
Tauá Pires, diretora da organização, afirma que apesar disso e de terem mais anos de estudo do que os homens, há uma reprodução no imaginário social de que esses cargos não são para mulheres.
“As mulheres são mais capacitadas do que os homens e nem por isso elas têm uma participação equilibrada na política. Não é a formação que garante isso, mas o dinheiro sim. O maior acesso que os homens têm ao recurso favorece a eleição deles em todos os cargos”, afirma.
Teresa Sacchet, cientista política e professora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), acrescenta que a questão do financiamento explica a dificuldade das mulheres que ainda não têm capital político, seja pela vivência em cargos ou vínculos familiares, de fazer campanha em grandes cidades e serem eleitas.
Legislativo municipal
De 2000 a 2020, das 337.711 cadeiras de vereador em disputa, 44.850 foram preenchidas por vereadoras, o que representa 13%. Ao todo, foram 30.465 eleitas e 31% delas exerceram mais de um mandato.
Dentre as capitais, a maior proporção de vereadoras eleitas por voto direto aparece em Macapá (AP), Palmas e Rio de Janeiro, com 20% cada.
O município de Barreiras (BA), com 159.734 mil habitantes, é a cidade com mais de 100 mil habitantes com a melhor média em termos de representação, 31%. Em 2020, 6 dos 19 vereadores eleitos foram mulheres.
A única cidade que alcançou paridade na Câmara local no período foi Senador La Rocque, município de 14.700 mil habitantes no Maranhão. Ali, as mulheres foram metade dos eleitos para as 60 vagas disputadas desde 2000.
Amanda Albuquerque, diretora da organização Rede A Ponte, que presta consultoria para mulheres que exercem mandato e analisou dados do TSE no mesmo período em eleições ordinárias, chama atenção para o fato de que no último pleito, 945 cidades do país não escolheram vereadoras e 1.809 municípios elegeram apenas uma.
“Em uma democracia, não é muito realista pensar que uma única pessoa vai conseguir defender o direito de todas as mulheres”, afirma, destacando que a trajetória política da maioria das mulheres começa na vereança.
Além de dar recursos para que as candidaturas de mulheres sejam competitivas, Albuquerque afirma que os partidos também precisam tratar a violência política contra as mulheres como um fator de desistência para muitas.
A análise da Folha foi feita a partir de dados de candidaturas de 5.568 cidades disponibilizadas pelo TSE e que passam por atualizações dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais). Os registros foram coletados em julho e considerados para análise apenas as candidaturas válidas –categorizadas como aptas, deferidas ou sub judice– e que chegaram às urnas.