Belo Horizonte atingiu neste sábado (27/7) a marca de 100 dias sem chuva, registrando a mais longa estiagem dos últimos cinco anos. Desde abril o céu permanece limpo, e a projeção é de que siga até setembro sem sinal das nuvens que trariam o tão aguardado alívio, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Se a previsão se confirmar, a capital mineira pode igualar ou ultrapassar o recorde de 2019, estendendo a seca por quase 150 dias.
A causa deste prolongado período de seca é um fenômeno climático conhecido como bloqueio atmosférico, típico do outono e inverno. Nesta época, a umidade atmosférica na região Sudeste do Brasil, assim como em outras áreas tropicais, costuma ser baixa, e a escassez de chuvas é uma característica normal desse ciclo, afirmam especialistas.
“Este período é marcado por um bloqueio atmosférico, uma grande massa de ar que impede a chegada de frentes frias e linhas de instabilidade, reduzindo a formação de nebulosidade e, consequentemente, a ocorrência de chuvas”, explica a meteorologista Anete Fernandes, do Inmet.
Sem a chuva para aliviar a atmosfera, a capital está sob alerta para baixa umidade, com índices de umidade relativa do ar em torno de 30%, bem abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A maior estação seca na capital
Até este ano, o maior período sem chuvas registrado em Belo Horizonte ocorreu entre junho e setembro de 2019, quando a cidade ficou 113 dias sem precipitações. Embora o bloqueio atmosférico seja um fenômeno normal nesta época do ano, a ausência de chuva foi intensificada desde 2023 pela atuação do El Niño, fenômeno que aquece as águas do Oceano Pacífico e provoca alterações nos padrões globais de precipitação e temperatura.
“Uma das características típicas do El Niño é a intensificação da permanência de bloqueios atmosféricos na região Sudeste e de chuvas acima da média na região Sul. Tanto é que tivemos enchentes muito volumosas no Rio Grande do Sul neste ano”, detalha Wellington Lopes Assis, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O especialista em levantamentos sistemáticos de temperaturas e condições climáticas de Belo Horizonte não associa o atual cenário de escassez de chuvas na cidade às mudanças climáticas. O clima atual, na avaliação de Wellington, é o “comum” da estação. “Enfrentamos uma anomalia climática devido ao El Niño, que costuma ocorrer em intervalos de dois a sete anos, mas essas condições de estiagem de agora estão dentro da variabilidade esperada para a região neste período do ano. Se analisarmos o registro de longo prazo, isso sempre ocorreu”, aponta.
O El Niño deu seu último “suspiro” em junho, após um ano de influência nas águas do Pacífico, e foi um dos cinco eventos mais intensos já registrados, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Depois dele, deve se formar o evento chamado La Niña, que, em termos grosseiros, gera efeitos contrários no clima.
Atualmente, uma massa de ar quente e estável atua sobre o Brasil, impedindo a entrada de umidade, o que afasta a chance de precipitações. “Chuva mesmo, só em setembro”, afirma Anete Fernandes, do Inmet.
Em agosto, podem ocorrer pancadas de chuva isoladas, devido à passagem de frentes frias, mas nada significativo, já que o volume médio de chuva nesse mês é um dos menores do ano. Para se ter uma ideia, o último volume superior à média histórica de 10,6 mm foi registrado há seis anos, em 2018, quando as precipitações chegaram a 39,7 mm.
“Estamos em uma estação em que é normal não ter chuvas. A característica do nosso inverno, previsto para terminar em setembro, é o predomínio de céu claro, ausência de chuva e, a partir de meados de julho, baixa umidade à tarde”, aponta a meteorologista.
Menos chuva, mais calor
A falta de chuvas também tem sido acompanhada por temperaturas superiores às médias históricas para o inverno. Em julho, por exemplo, a mínima superou em 1,6°C a média histórica e a máxima ficou 1,9°C acima.
Além da estiagem, Belo Horizonte enfrenta baixa umidade relativa do ar, que neste mês tem oscilado entre 25% e 30%, bem abaixo dos 60% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Abaixo desse percentual, a umidade pode oferecer riscos à saúde.
Esse padrão climático deve persistir em diversas regiões do estado, incluindo Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, Central, Zona da Mata, Vale do Rio Doce, Oeste, Norte, Sul, Jequitinhonha, Noroeste, Vale do Mucuri e na Região Metropolitana de BH.
O que esperar de La Niña
O fim do El Niño marca o início de novas preocupações, desta vez com La Niña. Em linhas gerais, o fenômeno natural é caracterizado pelo resfriamento anômalo das águas do Oceano Pacífico, o oposto do que ocorre com o fenômeno anterior.
Assim como ele, La Niña ocorre em intervalos de dois a sete anos e costuma afetar os padrões de chuva e temperatura globais. No Brasil, períodos sob influência do fenômeno são historicamente associados a chuvas acima da média no Norte e Nordeste e abaixo da média nas regiões Centro-Oeste e Sul do país.
São exatamente os efeitos inversos do El Niño, que tende a agravar secas no Norte e Nordeste e favorecer temporais no Sul. A última ocorrência do La Niña durou três anos e chegou ao fim em fevereiro do ano passado, quando os efeitos do fenômeno oposto começaram a ser sentidos.
Apesar de ainda não ter começado, já são registrados impactos no tempo, com a previsão de novas ondas de calor, embora menos intensas do que sob o efeito do El Niño. “O que podemos esperar são tempos mais secos nas regiões Sul e Sudeste. A temperatura se eleva um pouco acima da média, porque há menos nebulosidade e a radiação solar chega com mais força”, afirma o professor Wellington Lopes Assis, do Departamento de Geografia da UFMG.
De acordo com o Inmet, há 69% de probabilidade de formação do La Niña até setembro deste ano. Os efeitos práticos do fenômeno, no entanto, vão depender da sua intensidade. O El Niño, por exemplo, foi classificado como moderado a forte. “Esperamos temperaturas mais amenas, um pouco abaixo da média, e clima úmido”, detalha o especialista.
As previsões são baseadas em relatórios do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais baseada em “anos análogos” aos de 2024 — ou seja, anos em que também houve transições rápidas de El Niño para La Niña, o mais recente em 2016.
O maior desafio do clima nas cidades
O grande “vilão” dos eventos extremos, como as ondas de calor e os picos de estiagem, não está associado às mudanças climáticas, mas sim à ocupação do solo e à canalização dos rios e córregos, na avaliação do professor Wellington Lopes Assis, da UFMG. Com o aumento populacional, a urbanização se tornou inevitável, resultando na impermeabilização do solo, canalização e retificação dos cursos d’água, além da supressão da vegetação.
O especialista observa que o poder público frequentemente usa as mudanças climáticas como uma forma de desviar a atenção das questões estruturais que deveriam ser abordadas. “Embora importantíssima, a questão das mudanças climáticas tem virado muleta para justificar a falta de investimentos para melhorar a qualidade de vida na cidade e evitar essas anomalias”, ressalta.
Para o professor, o poder público precisa adotar medidas baseadas em diagnósticos precisos das condições climáticas e planejar a ocupação urbana com base em estudos científicos. O especialista ressalta que, embora a urbanização não seja um problema em si, ela deve ser avançar com a devida análise, para minimizar impactos ambientais: “O clima está mudando, como sempre mudou. Portanto, qualquer intervenção, como o loteamento ou a impermeabilização do solo, deve ser precedida de estudos que visem reduzir seus impactos”, afirma.
Ele também defende o diálogo com a academia e destaca que a construção de áreas verdes é uma estratégia eficaz para aumentar o poder de filtragem da atmosfera e atenuar os efeitos adversos das alterações climáticas.
FOGO SE ALASTRA
O tempo seco comumente vem acompanhado de outro problema: disparada no número de queimadas. No primeiro semestre deste ano, as ocorrências de incêndio saltaram 82% na comparação com o mesmo período do ano passado. De janeiro a junho, o Corpo de Bombeiros atendeu 9.566 ocorrências de queimadas em vegetação em Minas. Em Belo Horizonte, 440 incêndios foram registrados de janeiro a junho deste ano, contra 400 nos seis primeiros meses de 2023. A elevação é de 10%. Só na primeira semana de julho, foram 1.059 chamados, 47 deles na capital.